MARIA AMARAL PINTURA 94/95
... A arte nasce precisamente da fascinação do inapreensível, da vontade de arrancar formas ao mundo que o homem suporta para as fazer entrar no mundo em que ele governa. O artista pressente os limites desta posse incerta; mas a sua vocação esta ligada à sua origem e, depois, por várias vezes com menos intensidade, ao sentimento violento de uma aventura.
A princípio, talvez não tenha sentido mais que a necessidade de pintar. Quaisquer que sejam as qualidades que mostra nas primeiras tentativas em que se detém e, seja qual for a forma da sua aprendizagem, sabe contudo, que começa uma viagem em direcção a um país desconhecido, que esta primeira tirada não tem importância, e que “qualquer coisa está para acontecer”.
... Quer o artista comece cedo ou tarde a pintar, a escrever,
a compor, e seja qual for a força das suas principais obras, há
por trás delas a oficina, a catedral, o museu, a biblioteca, a audição...
Porque a pintura que representa ou sugere três dimensões, apenas
tem duas, qualquer paisagem pintada está mais próxima de não
importa qual outra paisagem pintada que do espetáculo que ela representa.
O jovem pintor não tem, a princípio, a escolha entre o seu ou
os seus mestres e a sua “visão”, mas entre as telas e outras
telas. Se a sua visão não fosse, então, a de alguém
ou de alguns, ele teria que inventar a pintura.
... A arte tem os seus impotentes e os seus impostores – menos numerosos,
no entanto, que no amor. Confunde-se a sua natureza com o prazer que pode
proporcionar; mas, tal como o amor, ela é paixão e não
prazer: implica uma ruptura dos valores do mundo, em benefício de um
único, obcecante e invulnerável. O artista sente necessidade
dos que compartilham a sua paixão, só entre eles vive plenamente.
Como toda e qualquer conversão, a descoberta da arte é a ruptura de uma relação de um homem com o mundo. Ela conhece a intensidade profunda daquilo a que os psicanalistas chamam os afectos. Criadores e amadores, todos aqueles para quem a arte existe, todos aqueles que podem ser tão sensíveis às formas por ela criadas como às mais comoventes das formas mortais, têm em comum a sua fé num poder particular do homem. Seja qual for a sua afirmação, o artista nunca se submete ao mundo, e submete sempre o mundo àquilo por que o substitui.
In “As vozes do Silêncio” de André
Malraux