Ay flores, ay flores do verde pyno,
se sabedes nouas do meu amigo!
Ay Deus, e hu é?
Ay flores, ay flores do verde ramo,
se sabedes nouas do meu amado!
Ay Deus, e hu é?
Através destas duas primeiras estrofes desta cantiga
de amigo de D. Dinis, cuidava a amada de saber novas do seu amigo nas cristas
floridas dos pinheiros. Talvez a natureza na sua pujança primaveril
trouxesse o amado de volta, tal como ele havia prometido antes da partida
ao romper do Inverno.
As flores, as árvores, as ondas do mar, as estações
do ano marcam desde a poesia provençal o eco que existe entre a alma
e a natureza. Confidente, protectora e omnipotente, a natureza ecoa dentro
de nós como um elo sagrado de raízes multiseculares e primitivas.
Provavelmente é por isso que tanto a paisagem como os elementos da
natureza constituem ainda motivo de desafio para a humanidade.
Pintar a paisagem é descobrir-lhe os volumes, as cintilações
dos campos e das águas, e marcar-lhe as volumetrias do casario, agarrando-lhe
a atmosfera. Foi nesse sentido que Maria Amaral trabalhou a paisagem como
tema e motivação.
Depois surgiram as flores – um outro elemento da natureza, dela retirado
para enfeitar jarras, cestos e vasos, alegrar haveres e corações,
acompanhar os que perdemos, recordar momentos, ou incitar a determinados
passos que assim ganham novo sentido.
Em todo o caso as flores ligam-se a estados afectivos e reflectem um gosto
particular. A sua representação implica o estudo das estruturas
cromática e formal, e uma abordagem variada cujo leque mais próximo
vem de oitocentos e chega à modernidade.
Maria Amaral pinta a óleo, gouache ou realiza colagens de flores
que de modelos reais passam a ser inventadas como memórias, enquanto
noutros casos permanecem fiéis ao seu modelo inicial. A escolha do
suporte em que são inseridas valoriza o seu destino monocromático
para-cubista, introduz ortogonalidade e fragmentação cromática
permitindo jogos arrojados próximos da temperatura fauvista e expressionista.
Os gouaches antecedem nalguns casos os óleos, e são expressões
sensíveis da fragilidade das flores ampliadas através da mancha
de cor.
Quanto às colagens, valorizando os jogos entre o fundo e a forma,
e perdendo-se esta nos interstícios do suporte, vivem ao mesmo tempo
do ritmo do recorte e do cromatismo, quer tímbrico, quer contrastante
que os motivos oferecem.
As flores, para além da sua dimensão decorativa, anunciam
uma zona de exercício da nossa sensibilidade, assinalando a evocação
de um mundo interior que se reflecte e interpenetra no modelo. Assim o quis,
Maria Amaral apropriando-se das pétalas, caules, corolas e folhas,
como simples elementos plásticos que se constroem ou desmontam em
planos de cor, quem sabe se procurando novas que o tempo futuro esconde.
- Cristina Azevedo Tavares -