Exposição "Flores - Um Outro Elemento da Natureza"
Enes Galeria d´Arte
Feveiro / Março de 1998


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“Um Outro Elemento da Natureza”

Ay flores, ay flores do verde pyno,
se sabedes nouas do meu amigo!
Ay Deus, e hu é?

Ay flores, ay flores do verde ramo,
se sabedes nouas do meu amado!
Ay Deus, e hu é?

Através destas duas primeiras estrofes desta cantiga de amigo de D. Dinis, cuidava a amada de saber novas do seu amigo nas cristas floridas dos pinheiros. Talvez a natureza na sua pujança primaveril trouxesse o amado de volta, tal como ele havia prometido antes da partida ao romper do Inverno.
As flores, as árvores, as ondas do mar, as estações do ano marcam desde a poesia provençal o eco que existe entre a alma e a natureza. Confidente, protectora e omnipotente, a natureza ecoa dentro de nós como um elo sagrado de raízes multiseculares e primitivas. Provavelmente é por isso que tanto a paisagem como os elementos da natureza constituem ainda motivo de desafio para a humanidade.
Pintar a paisagem é descobrir-lhe os volumes, as cintilações dos campos e das águas, e marcar-lhe as volumetrias do casario, agarrando-lhe a atmosfera. Foi nesse sentido que Maria Amaral trabalhou a paisagem como tema e motivação.
Depois surgiram as flores – um outro elemento da natureza, dela retirado para enfeitar jarras, cestos e vasos, alegrar haveres e corações, acompanhar os que perdemos, recordar momentos, ou incitar a determinados passos que assim ganham novo sentido.
Em todo o caso as flores ligam-se a estados afectivos e reflectem um gosto particular. A sua representação implica o estudo das estruturas cromática e formal, e uma abordagem variada cujo leque mais próximo vem de oitocentos e chega à modernidade.
Maria Amaral pinta a óleo, gouache ou realiza colagens de flores que de modelos reais passam a ser inventadas como memórias, enquanto noutros casos permanecem fiéis ao seu modelo inicial. A escolha do suporte em que são inseridas valoriza o seu destino monocromático para-cubista, introduz ortogonalidade e fragmentação cromática permitindo jogos arrojados próximos da temperatura fauvista e expressionista.
Os gouaches antecedem nalguns casos os óleos, e são expressões sensíveis da fragilidade das flores ampliadas através da mancha de cor.
Quanto às colagens, valorizando os jogos entre o fundo e a forma, e perdendo-se esta nos interstícios do suporte, vivem ao mesmo tempo do ritmo do recorte e do cromatismo, quer tímbrico, quer contrastante que os motivos oferecem.
As flores, para além da sua dimensão decorativa, anunciam uma zona de exercício da nossa sensibilidade, assinalando a evocação de um mundo interior que se reflecte e interpenetra no modelo. Assim o quis, Maria Amaral apropriando-se das pétalas, caules, corolas e folhas, como simples elementos plásticos que se constroem ou desmontam em planos de cor, quem sabe se procurando novas que o tempo futuro esconde.

- Cristina Azevedo Tavares -