Exposição "Aproximação a Lisboa"
Enes Galeria d´Arte
Janeiro / Fevereiro de 2000

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“Aproximação a Lisboa e à Pintura”

Partindo do axioma de que a Pintura é o reflexo do espírito transposto para a tela e sendo tal evidente na obra de Maria Amaral, para se tentar uma franca abordagem da sua personalidade

criadora, toma-se obrigatório como ponto de partida, compreender a forma como entende/sente a sua actividade artística.

Maria Amaral cultiva a pintura enquanto métier, facto ao qual não será estranha a sua sólida formação, feita como no tempo do Renascimento pela incorporação de conhecimentos transmitidos pelos mais reputados mestres, entre os quais há a referir obrigatoriamente Lima de Freitas, Quintino Sebastião ou Jaime Silva e sobretudo os conselhos plenos de sabedoria do professor José Cândido.

Neste percurso coerente é manifesto que o turbilhão dos pulsões naturais, embora sempre presente, é espartilhado, cerebralizado, contido, as suas obras são construídas pela incorporação de novos sentimentos, como a verdadeira Amizade, que se cimenta pouco a pouco, e que vai sendo carregada com o Tempo que a tudo transforma.

Desta vez leva-nos a uma aproximação a Lisboa, uma cidade que tanto ama, quanto a faz padecer. Mas o tema é um mero pretexto, já que a obra de Maria Amaral, pelas suas características deve ser entendida não como um exercício fútil de diletante, mas como uma busca sofrida de um sentido plástico e logo como uma aproximação à Pintura pura.

Dos arredores de Lisboa, destaca-se por paradigmático o confronto que se estabelece entre as próprias obras, retratando diferentes momentos, plenos de sentido psicológico e onde Maria Amaral se expõe aos olhos do observador mais atento, numa paleta de estados de alma que vai do bucolismo dos “Moínhos Paulistas”, passando por uma nota forte de melancolia na sua visão do Palácio da Vila de Sintra, à serenidade da qual a “Travessia” é significativa, mas vivendo também momentos de tensão incontrolável, evidente na atmosfera do moínho de maré de Corroios.

Lisboa está omnipresente e tudo são apropriações da cidade. Aqui divide-se num percurso/visão da cidade que começa por ser claustrofóbica, como na “Carreira da Graça”, que passa por um permanente inconformismo perceptível na sua representação da Calçada da Bica de Duarte Belo, mas que se afirma sobretudo pela rejeição de uma leitura idílica, e dogmática, claramente iniciada na forma quase agressiva com que marca as árvores que circundam a Igreja de Santa Maria de Belém, reconciliando-se por fim com a cidade em “Amanhecer em Lisboa”.

Registe-se a espacialidade muito própria, com atmosferas densas, onde o ar não é inefável, mas pelo contrário, sentido, palpável, por vezes quase opaco, o que confere às obras de Maria Amaral um sentido perpéctico quase flamengo.

Se o seu conceito de espacialidade é muito pessoal, também o é a forma como escolhe e aplica a cor. Os verdes e ocres são sabiamente misturados com um branco omnipresente, embora nunca puro. Pela primeira vez no conjunto da sua obra as cores ganham temperatura, opta-se pelas cores quentes que abafam.

Dir-se-ia que nas camadas de tinta e as velaturas que dá, as superfícies cromáticas que se tocam e se misturam, testemunham também que a autora tem a capacidade de emocionar pela cor.

Ensaiada uma tentativa de compreensão do percurso de Maria Amaral é possível ousar ir mais além e assim, após uma séria reflexão sobre o panorama das artes na actualidade, resulta a certeza que existem vias não esgotadas de expressão plástica.

Numa altura em que é tão propalada a crise das artes, o que se aplicará à vertigem das vãs vanguardas, essas sim envelhecidas e esclerosadas na busca da novidade pela novidade, da “proeza” não realizada antes e da recusa da linguagem pictórica, deixando o campo artístico exaurido de referências e até marginalizado, é importante verificar que ainda existe quem se dedique à Pintura e sobretudo saiba pintar.

- Paulo Morais Alexandre -